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Por Celson Hupfer – CEO Connekt

Poucos assuntos no mundo atualmente têm recebido menos atenção do que o futuro do trabalho, especialmente após a Covid-19. Não restam dúvidas entre pesquisadores e executivos ao redor do mundo que a pandemia no mínimo acelerou tendências que já estavam presentes antes. O futuro do trabalho tem sido analisado sob inúmeros ângulos, entre os quais sobressaem os olhares para impactos da aceleração da Inteligência Artificial e digitalização, novas competências, reorganização das funções, formulação de políticas públicas para treinamento das pessoas afetadas, trabalho remoto, organização do espaço de trabalho, efeitos sobre setores da economia dependentes de maior presença física, como construção civil, restaurantes, transportes, organização das cidades, etc.

No presente artigo minha intenção é analisar alguns desses aspectos num prazo um pouco mais longo, tendo como base diversas pesquisas acadêmicas ou não, publicadas nos últimos meses. Obviamente, não tenho intenção de esgotar qualquer dos temas, até porque tudo ainda está em evolução.

Uma extensa pesquisa conduzida por um grupo de estudiosos (Lund, S.; Madgavkar. A e outros) para o McKinsey Global Institute, apontou algumas tendências de mais longo prazo, muito ricas para os responsáveis por formular estratégias de negócios ou políticas públicas (o conteúdo completo pode ser encontrado em https://www.voced.edu.au/content/ngv:89731). A pesquisa foi realizada em oito das principais economias globais, que respondem por mais de 62% da população mundial. Infelizmente o Brasil ou qualquer outro país da América Latina estiveram ausentes na pesquisa.

Esta foi a primeira vez que o mercado de trabalho foi impactado pela questão física, cujas evidências maiores se dão sobre a proximidade das pessoas e suas interações. Quanto maiores a proximidade física e as interações humanas, maiores serão os impactos de longo prazo sobre as funções, competências, espaços e os próprios negócios. Estas atividades também foram as mais impactadas no curto prazo, durante a pandemia. Exemplos muito vivos são os de setores como cuidados médicos e pessoais, compras físicas e lazer e viagens. Muitas atividades, seguindo os negócios, migraram para meios eletrônicos ou digitais, outros puderam ser realizados remotamente e outros ainda tiveram reduções extremamente acentuadas.

Como estas atividades irão se comportar nos próximos anos?

O trabalho remoto provavelmente continuará presente, apesar de menos intenso. Estima-se que entre 20 e 25% das pessoas nas economias avançadas poderão trabalhar remotamente de três a cinco dias por semana, um salto de quatro a cinco vezes ao que se verificava antes. Por sua vez, muitos consumidores descobriram o comércio on-line durante a pandemia. Em algumas economias a velocidade do aumento do comércio eletrônico foi de mais de 5 vezes à que se observava antes. A automação e digitalização das atividades entrou de vez para a estratégia da grande maioria das empresas, mesmo nas manufaturas e serviços pessoais.

Estas tendências, aceleradas pela Covid-19, terão impactos monumentais sobre a organização do trabalho, as ocupações propriamente ditas, as competências requeridas e sobre a formulação de políticas públicas e estratégias de desenvolvimento nas empresas.

Do lado da organização, algumas estimativas falam em redução de aproximadamente 30% nos espaços dos escritórios, o que se refletirá sobre inúmeras atividades, como: redução na demanda por restaurantes nas áreas centrais, redução do transporte público, das viagens a negócios (o filão mais lucrativo do segmento), hotelaria, aeroportos, aviação, etc.

Do lado das competências, estima-se que os impactos serão muito mais duros para as profissões que requerem competências cognitivas mais básicas, físicas ou manuais. São mais facilmente substituíveis por algoritmos e robôs. Serão valorizadas competências sociais e emocionais, mais necessárias para a adaptabilidade e flexibilidade requeridas pelo novo mundo do trabalho. Se antes da pandemia as profissões que enfrentavam as maiores perdas de vagas eram as de nível médio, agora serão mais negativamente afetadas as de nível mais baixo da pirâmide. Praticamente todo o ganho de emprego no mundo será gerado em ocupações de salários mais elevados, em detrimento dos salários mais baixos. O que poderia ser uma boa notícia, entretanto, é fator de grande preocupação, por algumas razões: primeiro, porque serão muito mais empregos perdidos do que gerados; segundo, porque os que estão perdendo seus empregos não têm as competências e habilidades para os novos empregos; e, terceiro, porque o trabalho remoto permite o ingresso de novos trabalhadores antes excluídos em razão de condições familiares ou de mobilidade (o que, isoladamente, é um fator importante de aumento da diversidade).

Por sua vez, estas novas condições impõem que empresas e formuladores de políticas públicas tenham que repensar seus esforços e acrescentar urgência para apoiar o treinamento e educação dos trabalhadores que serão retirados de suas funções. As pessoas precisarão efetivamente ser formadas novamente. Do lado das empresas, é urgente que elas comecem por rever a forma como organizam o trabalho atualmente. A atividade remota deve se concentrar muito mais em tarefas do que no trabalho propriamente dito. Inúmeras tarefas são melhor desempenhadas presencialmente, como negociação, brainstorming, formulação estratégica, onboarding de colaboradores, etc. Adicionalmente, o retorno compulsório das pessoas para o ambiente físico pode significar a perda de inúmeros talentos, que se acostumaram com pelo menos alguns dias da semana remotamente. Ou seja, o que deve prevalecer são modelos híbridos, em que pessoas se reúnem fisicamente para o que não pode ser bem feito remotamente. Da mesma forma, ao invés de contratar por formação, contratar por competências parece ser uma tendência em muitas organizações. Sugere-se, ainda, que grandes empresas repensem os seus modelos de formação e desenvolvimento das pessoas, propiciando possibilidades de re-treinar aqueles que serão desocupados pela digitalização e Inteligência Artificial. Exemplos nesta direção têm sido dados por empresas como Walmart, Amazon e IBM, cujas políticas de desenvolvimento estão se voltando para apoiar formações e competências novas.

Na mesma direção devem atuar os agentes públicos. Nações que não estiverem atentas a estes movimentos com certeza experimentarão enormes custos sociais e econômicos.


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