Por Jaime Vasconcellos, economista.
Em compasso de espera”. Esta foi a expressão que usamos duas semanas atrás quando estávamos analisando o cenário macroeconômico brasileiro e nos referimos a como todo o mercado estava ansioso, considerando as expectativas sobre um possível anúncio de corte de gastos por parte do Governo, algo tão esperado e necessitado frente aos avanços recentes do que comumente é chamado de Desequilíbrio Fiscal.
Pois bem, ontem (27/11) o anúncio veio e pelo âmbito do tamanho previsto do corte e de onde sairiam as economias, nenhuma grande surpresa. Segundo o Ministro da Fazenda, é previsto uma economia de cerca de R$ 70 bilhões em dois anos (2025 e 2026) e será proveniente, em linhas gerais, de:
– Limite de reajuste do salário-mínimo: reajuste com base na inflação do ano anterior, mais a variação do PIB de dois anos antes — mas com um teto de 2,5%, ainda que a economia tenha crescido mais;
– Aposentadoria de militares: idade mínima para a reserva e extinção da transferência de pensão;
– Abono salarial: limite de R$2.640,00 para quem recebe o benefício, com correção do valor até ele chegar a 1,5 salários-mínimos.
– Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Bolsa-Família: endurecimento das regras de concessão e maior fiscalização.
– Supersalários: regulamentar a lei que proíbe salários acima do teto constitucional.
– Emendas parlamentares: o valor total não poderá crescer mais do que 2,5% acima da inflação.
Esse rol resumido de onde estão os pilares da economia proposta até possuem pontos positivos, ainda que ainda seja difícil (até pela falta de detalhamento mais profundo de cada proposta) prever se serão suficientes para que o arcabouço fiscal seja crível. E o problema não reside somente nessa desconfiança. Ao mesmo tempo em que o anúncio dos cortes acima foi realizado, também houve a divulgação da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais (R$ 60 mil anuais), cuja perda de arrecadação seria compensada pelo aumento da taxação daqueles que possuem rendimentos acima de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil anuais).
Não entraremos no mérito deste segundo anúncio, que até pode estar calcado na melhoria do conceito de progressividade da tributação (quem ganha mais paga mais), porém o timming de sua publicização foi muito ruim, e o próprio mercado através de câmbio e bolsa de valores já demonstraram esse descontentamento no dia seguinte ao anúncio. O câmbio, por exemplo, passou hoje (28/11) pela primeira vez da casa dos R$6,00.
A escolha de, em meio a um anúncio esperado e necessário de cortes de gastos, apresentar uma redução de arrecadação (ainda que o IR em faixas salariais menores possa e deva ser discutido e reconhecido), só gera mais incertezas quanto ao real compromisso do atual Governo com suas contas. Ainda mais em meio a um cenário no qual o ambiente tributário brasileiro passa por uma ampla regulamentação com a reforma tributária do consumo.
Em suma, há dúvidas severas se os cortes anunciados serão suficientes, e se não bastasse isso, o anúncio sobre o Imposto de Renda para quem recebe até R$5 mil pareceu inoportuno, ainda que realmente fosse uma promessa de campanha e pudesse aparecer em algum momento. O Governo, que gostaria de gerar alguma credibilidade frente às incertezas fiscais parece, ao anunciar os seus planos, acabou deixando todos ainda mais desconfiados.
Para o comércio, em especial ao varejo de representação do Sincomavi, alterações em salário-mínimo, abono, benefícios e outros pontos, por exemplo, podem até gerar algum impacto negativo via consumo das famílias, mas seria de forma muito mais indireta e tangencial. Para nós, e para a economia como um todo, benéfico mesmo seriam medidas críveis e equilibradas, que pudessem gerar menos oscilações cambiais. Isso porque, essas variações têm o potencial de agravar ainda mais o já difícil cenário inflacionário e de crédito, tão relevantes para a trajetória do consumo de nossos clientes e do custo de operação de nossos estabelecimentos.