Por Prof. Marcos Piellusch, diretor Vogal do IBEVAR e professor da FIA – LABFIN.PROVAR.
Crescimento do Faturamento
Nos últimos 12 meses, o faturamento total das empresas varejistas de capital aberto aumentou 5,6%. Este crescimento é notável, considerando o cenário econômico adverso.
No entanto, esse aumento de faturamento não se refletiu igualmente no resultado bruto, que cresceu apenas 3,7%, indicando que os custos dos produtos tiveram um impacto significativo nos resultados das empresas.
Aumento dos Custos e Margem Bruta
O custo dos produtos vendidos (CPV) aumentou 6,3%, um ritmo superior ao do crescimento do faturamento. Como resultado, a margem bruta média caiu de 41,6% para 40,48%.
Essa redução na margem bruta reflete a dificuldade das empresas em repassar totalmente os aumentos de custo para os consumidores, possivelmente devido à pressão competitiva e ao poder de compra limitado das famílias.
Despesas Operacionais e EBITDA
As despesas operacionais das empresas cresceram 6,2%, novamente superando o ritmo de crescimento da receita. Este aumento nas despesas operacionais, combinado com a margem bruta reduzida, resultou em uma queda de 7% no EBITDA (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) das empresas varejistas.
Essa métrica é crucial para avaliar a capacidade das empresas de gerar lucro operacional, e sua redução aponta para um cenário desafiador.
Resultado Líquido e Endividamento
Um dos indicadores mais preocupantes foi a queda drástica no resultado líquido total das empresas. De um lucro de R$ 3,2 bilhões no período anterior, as empresas passaram a registrar um prejuízo total de R$ 3,64 bilhões. Esse resultado negativo pode ser atribuído a vários fatores, incluindo o aumento das despesas financeiras e o alto nível de endividamento.
O endividamento médio das empresas, medido pela relação entre passivos e ativos, aumentou de 52% para 59%. Esse aumento no endividamento, juntamente com a alta taxa Selic, resultou em um aumento de 15,1% nas despesas financeiras, pressionando ainda mais os resultados das empresas.
Giro do Ativo e ROIC
Apesar das dificuldades, o giro do ativo (indicador que mede a eficiência da utilização dos ativos para gerar vendas) manteve-se estável em aproximadamente 0,9. No entanto, o retorno sobre o capital investido (ROIC) caiu de uma média de 4,42% para 2,9%, indicando uma diminuição na eficiência das empresas em gerar retorno sobre os investimentos realizados.
Contexto Econômico
O cenário econômico geral durante este período também desempenhou um papel crucial no desempenho das varejistas. O PIB brasileiro cresceu 6,2% no período, impulsionado principalmente pelo agronegócio. No entanto, a alta taxa Selic, que permaneceu elevada ao longo de 2023, impactou negativamente o custo do dinheiro, tornando mais caro o financiamento de estoques e operações para as empresas varejistas.
Análise Comparativa com Período Anterior
Comparando com o período de abril de 2022 a março de 2023, observa-se que o setor já enfrentava desafios significativos. O alto endividamento e as elevadas taxas de juros continuaram a ser uma barreira para o crescimento sustentável.
A diferença notável entre o crescimento do faturamento e o desempenho líquido das empresas revela uma pressão contínua sobre as margens de lucro e a necessidade de ajustes operacionais.
Influência da Taxa Selic
A taxa Selic, que permaneceu alta durante a maior parte de 2023, teve um impacto significativo no setor de varejo. Conforme mencionado no texto publicado em janeiro de 2024 (link), a expectativa de queda gradual da Selic para cerca de 9% ao ano poderia aliviar parte da pressão financeira sobre as empresas.
A redução da Selic facilita o acesso ao crédito, tanto para as empresas quanto para os consumidores, o que pode impulsionar o consumo e melhorar as condições de financiamento.
Endividamento das Famílias
O endividamento das famílias, apesar de ter mostrado sinais de redução, ainda permanece alto, próximo dos 70%. Esse nível elevado de endividamento, especialmente concentrado no cartão de crédito, limita a capacidade de consumo das famílias e, consequentemente, afeta o desempenho do setor de varejo.
Programas como o Desenrola Brasil, que incentivam a quitação de dívidas com descontos, podem ajudar a aliviar esse cenário, mas a eficácia desses programas depende da adesão das famílias.
Desempenho do ICON nos Últimos 6 Meses
O ICON, Índice de Consumo, que reflete o preço das ações de empresas do setor na bolsa brasileira, apresentou uma queda significativa nos últimos seis meses, refletindo a situação desafiadora enfrentada pelo setor de varejo. A queda foi de 14,03%, indicando uma retração no consumo. Esse declínio pode ser atribuído a vários fatores, incluindo a alta taxa de juros, que aumentou o custo do crédito e reduziu o poder de compra das famílias, e o alto nível de endividamento das famílias brasileiras, que limitou a capacidade de consumo.
Essa retração no consumo impactou especialmente os segmentos de bens duráveis e semiduráveis, que dependem mais do crédito para suas vendas. A queda nas vendas desses segmentos foi um dos principais fatores para a redução no ICON. Além disso, a inflação ainda elevada afetou o poder de compra dos consumidores, resultando em uma diminuição nas vendas de bens não essenciais.
Desafios e Riscos
Além das questões internas, fatores externos como conflitos geopolíticos, quebra de safra e inflação no exterior também influenciam o desempenho do varejo brasileiro.
A quebra de safra, influenciada pelos fenômenos climáticos, além da alta na taxa de câmbio, que aumenta os preços de insumos agrícolas, pode elevar os preços dos alimentos, pressionando ainda mais a inflação e reduzindo o poder de compra dos consumidores. Esses fatores externos aumentam a incerteza econômica e representam riscos adicionais para o setor de varejo.
Perspectivas para o Segundo Semestre de 2024
Para o segundo semestre de 2024, as expectativas são mistas. A redução esperada da taxa Selic pode melhorar o ambiente de negócios para as varejistas, facilitando o acesso ao crédito e incentivando o consumo. No entanto, o alto endividamento das famílias e das empresas, juntamente com os riscos fiscais e geopolíticos, continuam a representar desafios significativos.
A expectativa predominante é que o setor de varejo deve mostrar um desempenho melhor no segundo semestre, impulsionado por um mercado de trabalho ainda aquecido e melhores condições financeiras para os consumidores. Espera-se um crescimento moderado, com segmentos como moda e vestuário, alimentar, farmacêutico e e-commerce apresentando boas perspectivas. A integração de aquisições recentes e a consolidação de operações são estratégias que devem ser priorizadas por empresas maiores.
Oportunidades no Varejo
Apesar dos desafios, existem oportunidades no horizonte. A digitalização e a inovação tecnológica no varejo oferecem novas formas de melhorar a eficiência operacional e alcançar os consumidores. Investimentos em e-commerce, inteligência artificial e automação podem ajudar as empresas a se adaptarem às mudanças no comportamento do consumidor e a melhorar suas margens de lucro.
Além disso, a diversificação dos canais de venda e a personalização da experiência do cliente podem oferecer uma vantagem competitiva. Empresas que conseguem integrar lojas físicas com plataformas digitais de forma eficaz tendem a capturar uma maior parcela do mercado.
Conclusão
O desempenho das varejistas brasileiras nos últimos 12 meses reflete um cenário complexo e desafiador. O crescimento do faturamento foi ofuscado pelo aumento dos custos, das despesas operacionais e do endividamento.
A alta taxa Selic e o contexto econômico global adicionaram camadas de dificuldade ao setor. No entanto, a perspectiva de redução das taxas de juros e as oportunidades de inovação tecnológica oferecem um caminho para a recuperação e o crescimento sustentável.
Observando os indicadores financeiros e econômicos, é crucial que as empresas varejistas adaptem suas estratégias para navegar nesse ambiente desafiador, focando em eficiência operacional, gestão de custos e inovação para garantir a sustentabilidade a longo prazo.